O antigo vice-presidente americano Al Gore, que nesta segunda-feira recebeu o Prémio Nobel da Paz juntamente com o IPCC, pediu que os Estados Unidos e a China parem de se acusar e assumam sua responsabilidade para com o planeta, que "está febril".
Os dois países (EUA e China) "deverão realizar gestos mais audazes, caso não queiram ser julgados pela História por sua falta de iniciativa", avisou o autor de “uma verdade inconveniente”.
Na cerimónia Al Gore disse que "chegou a hora de fazer as pazes com o nosso planeta". Depois de Olso, Gore irá a Bali para pedir medidas fortes, em particular um novo tratado sobre o clima que, pede Al Gore, deveria entrar em vigor a partir de 2010, dois anos antes do previsto, ou a instauração de um imposto sobre as emissões de carbono.
"Temos tudo que precisamos para pôr a mão na massa, exceto, talvez, vontade política, ainda que vontade política seja uma energia renovável", concluiu Gore.
EUA E CHINA
A China, por sua vez, justifica sua atitude por considerar as mudanças climáticas responsabilidade histórica dos países industrializados, e por isso tem o direito de poder desenvolver o seu tecido industrial.
DUPLO NOBEL
O presidente do comité Nobel, Ole Mjoes, destacou o carácter particular do prémio deste ano.
"O comité Nobel norueguês raramente aumenta o tom, mas há muito tempo não tem estado tão preocupado com questões tão fundamentais como as deste ano", destacou.
Já o indiano Rajendra Pachauri, presidente do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas), que reúne cerca de 3.000 especialistas coordenados pela ONU, detalhou os efeitos catastróficos da mudança climática, "a ameaça de dramáticas migrações de populações, conflitos, guerras por água e outros recursos".
Milhares de cientistas em todo o mundo estão de acordo: “o aumento do nível do mar é consistente com o aquecimento global”. E, onze anos (1995-2006) dos últimos doze estão registados como sendo os mais quentes desde que existem registos climatéricos.
Foi apresentado e aprovado, em Novembro, numa reunião em Valência, Espanha o quarto relatório do IPCC, (como é conhecido na sigla em Inglês o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas.
Este relatório sublinha que tudo o que foi previsto nos documentos anteriores está já a acontecer. Assim os efeitos do aquecimento global estão-se a dar de modo mais rápido do que foi previsto e o anteriormente foi projectado para 2020 e 2030 já está a acontecer.
”As emissões globais de gases de efeito de estufa devido a actividades humanas cresceram desde os tempos pré industrias”, sublinha o relatório. E, essas emissões aumentaram 70 por cento, entre 1990 e 2004, e esta subida faz prever que a temperatura também possa aumentar, no cenário mais dramático, mais 6,4 graus centígrados até ao final da década.
Se muitos cientistas consideram que acima dos dois graus o planeta ficaria numa posição pouco sustentável - e é para atingir esse patamar que a Europa quer trabalhar -, imagine-se o que poderia acontecer no pior dos casos com quase 7 graus de aumento da temperatura.
Na comunidade científica, o consenso está praticamente instalado: o aumento da temperatura agravará os fenómenos climáticos extremos: mais cheias, secas, ondas de calor, furacões e o degelo das calotes polares, responsável pela subida do nível do mar.
É por isso que o relatório diz que “o aumento do nível do mar é consistente com o aquecimento global”. A taxa passa de 1.8 mm por ano, em 1961, para 3.1 mm, em 1993.
Por outro lado a frequência de acontecimentos de forte precipitação aumenta na maioria das áreas do globo e de 1900 a 2005 os registos de pluviosidade cresceram em zonas como a Europa de Leste e a América do Sul, a Europa do Norte e a Ásia Central. Mas, em regiões como o Mediterrâneo, o Sahel, o Sul da África e o Sul da Ásia, a chuva está a escassear.
Com isto, “30 por cento da biodiversidade pode estar em risco”, destaca o relatório do IPCC..
O relatório sublinha também que já existem mecanismos e instrumentos disponíveis para lutar contra o problema do aquecimento global, embora impliquem gastar todos os anos milhares de milhões de euros. Mas acrescenta que, neste combate, não chega encontrar formas de mitigação da poluição, há que implementar medidas concretas de adaptação, pois as secas, as cheias, as inundações das zonas costeiras acontecerão mesmo que as emissões caiam abruptamente.
REACÇÕES
Mas mais do que validar dados científicos já expressos em relatórios anteriores e reafirmar que há 90 por cento de certezas de que as mudanças no clima se devem às actividades humanas, este documento síntese é uma ferramenta de trabalho essencial para o que aí vem. E foi esta a mensagem que o secretário-geral da ONU quis sublinhar. "Hoje os cientistas falaram de forma clara e a uma só voz. Espero que em Bali os políticos façam o mesmo", disse Ban Ki-moon, referindo-se ao encontro da Conferência das Partes, que decorre na Indonésia.
Ban Ki-moon considera que o relatório do IPCC traz respostas para muitas questões políticas e que o mundo se deve unir para encontrar um sistema que substitua o protocolo de Quioto, cuja vigência termina em 2012.
As reacções às conclusões dos cientistas não se fizeram esperar. O comissário europeu do Ambiente apressou-se a pegar nas palavras dos peritos para exigir medidas concretas em Bali, enquanto o primeiro-ministro britânico colocou o desafio do aquecimento global não só como uma ameaça ao ambiente mas também à paz e ao desenvolvimento mundial. Até porque, também aqui, serão os mais pobres a sofrer as consequências mais graves.
Os especialistas do IPCC, patrocinados pela ONU, pedem mais eficiência no uso da energia e defendem a utilização de formas renováveis de produção energética, com menos uso dos combustíveis fosseis (petróleo, gás natural e carvão).
O IPCC elaborou uma síntese de cerca de vinte páginas que vai servir de referência cientifica para os próximos anos, trata-se do chamado “Sumário para os agentes políticos”.
O que se segue é uma síntese por tópicos deste “Sumário”:
AVALIAÇÃO CIENTÍFICA
1- As mudanças climáticas são "irreversíveis" e as emissões de gases de efeito estufa provocadas pelas actividades humanas (principalmente pelo gás, o carvão e o petróleo) são responsáveis (em 90%) pelo aumento das temperaturas nos últimos 100 anos (+0,74º C). O CO2 lançado até agora pelas actividades humanas permanecerá ainda por muitos anos na atmosfera, com efeitos para o clima global.
2- A temperatura mundial deve aumentar entre 1,1 e 6,4°C em relação a 1980-1999 até 2100, com um valor médio mais seguramente compreendido entre 1,8 e 4°C. O aquecimento será mais importante nos continentes e nas latitudes mais elevadas.
3- O nível dos oceanos poderá, segundo as previsões, subir de 0,18 m a 0,59 m no final do século em relação ao período 1980-1999.
4- Os calores extremos, ondas de calor e fortes chuvas continuarão sendo mais frequentes e os ciclones tropicais, tufões e furacões, mais intensos.
5- As chuvas serão mais intensas nas latitudes mais elevadas, mas diminuirão na maioria das regiões emersas subtropicais.
6- O aumento da temperatura foi duas vezes mais importante no Pólo Norte do que na média mundial nos últimos 100 anos, provocando o derretimento acelerado da camada de gelo.
PRINCIPAIS IMPACTOS
1- "A mudança climática antropogênico (de origem humana) e suas consequências podem ser repentinas ou irreversíveis".
2- Inúmeros sistemas naturais já estão afectados e os mais ameaçados são a tunda, as florestas setentrionais, as montanhas, os ecossistemas mediterrâneos e as regiões costeiras.
3- Até 2050, a disponibilidade de água deve aumentar nas latitudes elevadas e em certas regiões tropicais úmidas, mas a seque deve se intensificar nas regiões já afectadas.
4- 20 a 30% das espécies vegetais e animais estarão ameaçadas de extinção se a temperatura mundial aumentar de 1,5 a 2,5°C em relação a 1990.
5- A produção agrícola deve aumentar levemente nas regiões de médias e altas latitudes (frias) se o aumento da temperatura se limitar a menos de 3°C, mas poderá diminuir se ultrapassar esse limite. Nas regiões secas e tropicais diminuirão assim que ocorra um aumento local das temperaturas de 1 a 2°C.
6- A saúde de milhões de pessoas se verá sem dúvida afectada pela desnutrição, a morte e as enfermidades vinculadas às ondas de calor, inundações, secas, tempestades e incêndios.
7- Nas regiões polares vamos assistir à redução dos bancos de gelo. No polo norte, o banco de gelo poderá desaparecer antes do final do século XXI.
8- O aumento do nível do mar ameaçará as pequenas ilhas.
9- Na Europa, as inundações, a diminuição da camada de neve e as ondas de calor colocarão em perigo inúmeras actividades económicas.
ADAPTAÇÃO E POSSÍVEIS SOLUÇÕES
1 - De 1970 a 2004, a emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pela mudança climática, aumentaram 70% e, inclusive, 80% no caso do dióxido de carbono (CO2), o mais importante deles.
2 - Todos os sectores económicos estão envolvidos na redução dessas emissões até 2030.
3 - As medidas susceptíveis de limitar o aquecimento climático entre +2ºC e +2,5ºC, até 2100 em relação a 1990, terão um impacto inferior em menos dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2030.
4 - As energias renováveis terão um papel cada vez mais importante depois de 2030, assim como as reservas de CO2. A actividade nuclear também desempenhará um papel crescente.
. Oficiais
. Página das Nações Unidas sobre a Cimeira de Bali
. Página sobre Coneferência de Nairobi
. Organização Meteorológica Mundial
. PNUD - Programa Desenvolvimento Nações Unidas
. PNUA - Programa das Nações Unidas para o Ambiente
. Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas
. Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas
. Agência Europeia de Ambiente
. Bolsa Europeia do Mercado de Carbono
. Documentos
. Plano Nacional para as Alterações Climáticas
. Plano Nacional de Licenças de Emissão de CO2 (PNALE) 2008-2012
. Outros